Os novos desafios da educação de bebês
Descobertas recentes sobre
habilidades das crianças até os 18 meses mostram a importância de escola e
educadores ouvirem o que dizem as crianças dessa idade
© Gustavo Morita
Nos últimos anos, as descobertas
da ciência mudaram nosso entendimento sobre os bebês: eles são muito mais
inteligentes do que se supunha, e capazes de aprender e se comunicar desde
muito cedo. O entendimento acerca dos saberes das crianças de até 18 meses
mostra que elas são cientistas em potencial: adquirem conceitos cotidianos da
física ao observarem como os objetos se movem, ou da biologia, através da
observação dos seres vivos, por exemplo. Na escola, a socialização entre si e
com outros adultos que não seus pais demonstra a capacidade de linguagem. Como
define o pedagogo Paulo Fochi, especialista nessa faixa etária, “os bebês são
pop”. “Talvez eles nunca tenham aparecido tanto quanto agora. Isso é bom porque
estamos tornando-os visíveis, tirando-os da invisibilidade”, define Paulo.
As descobertas realmente são
recentes e, por isso mesmo, desconhecidas até mesmo por educadores. “Até os
anos 70 compreendíamos os bebês como sujeitos muito passivos, mas os estudos
atuais mostram que eles chegam ao mundo com um equipamento muito completo para
realizar ações neste mundo”, resume a professora Maria Carmem Barbosa,
pesquisadora e docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
uma das maiores especialistas em educação de bebês no Brasil. O novo
entendimento sobre a primeiríssima etapa da infância, no entanto, tem refletido
em como a sociedade e a própria escola veem os bebês.
“Ao mesmo tempo que os bebês
estão se tornando visíveis, há uma preocupação acerca dos discursos que
decorrem dessa ‘popularidade’”, reflete Paulo. O especialista se refere ao
discurso da estimulação precoce, consequente, principalmente, das recentes
descobertas da neurociência. “Nesse sentido há dois pontos de vista: o de que o
bebê não é frágil, com o qual concordo, e o discurso de antecipar o
desenvolvimento para dar mais subsídios à criança no futuro, sobre o qual sou
contra. Precisamos dar tempo para os bebês serem bebês”, defende. “Uma
pessoa que se propõe a estar com bebês tem de ter a esperança da espera: é
preciso ver se ele responde. É ter esperança para ver o que ele vai fazer”,
define.
Cérebro em formação
Partindo do princípio da educação
feita a partir e para a criança, as descobertas acerca do desenvolvimento dos
bebês podem ser de grande valia para os educadores e a escola. A neurociência
mostra que uma criança chega ao mundo com incríveis 100 bilhões de neurônios.
Mais importante do que a quantidade é o que será feito deles. Até os 18 meses,
os excessos são podados e as sinapses começam a ser construídas. Até os 3 anos,
o cérebro está em formação. É nesses primeiros três anos de vida, portanto, que
a interação com o ambiente e a estimulação permitem a construção das sinapses –
que é o mesmo que dizer a construção do aprendizado. “Quanto mais cedo um bebê
é estimulado, mais rápido se formam as sinapses”, explica a neuropedagoga Irene
Maluf. “E quanto mais sinapses eu tenho sobre determinado assunto, mais
facilidade terei nele no futuro.”
Aos 18 meses, mesmo sem falar, os
bebês já têm um vasto repertório de experiências. A psicóloga Alison Gopnik, da
Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), queria saber o quanto os pequenos
entendiam o outro. Num teste feito com bebês de 15 e 18 meses, sua assistente
oferecia a eles um pote de bolachas e outro de brócolis. Todos optavam pela
bolacha (em formato de peixinhos). Mas ao demonstrar – fazendo cara de prazer –
que ela gostava mais de brócolis, os bebês lhe ofereciam o pote de brócolis.
Para Alison, ficou claro que eles entenderam o gosto do outro.
Os pequenos também são altamente
solidários. Cientistas italianos colocaram gravação com choro de outros bebês
para ver a reação dos pequenos ouvintes. Eles abriam o berreiro quando ouviam o
choro do outro, mas não quando o choro era deles mesmos. Empatia pura. Indo
mais além, uma pesquisadora da Universidade de Washington testou a atenção de
crianças de nove meses para língua estrangeira. Quando eles ouviam um DVD com
outra língua, não notavam, depois, quando alguém falava nesse outro idioma. No
entanto, quando eles eram estimulados por uma professora de língua estrangeira,
passaram a perceber quando as pessoas ao seu redor não estavam falando sua
língua natal. A conclusão é que o aprendizado para línguas só funciona quando
há interação social.
Há ainda estudos que mostram a
precoce aptidão para a matemática. Crianças de sete meses foram testadas na
Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), com vídeos e uma caixa de som.
Em um monitor, elas viam duas mulheres conversando. No outro, três. Da caixa de
som, ouviam ora duas mulheres ora três conversando. Os bebês se voltavam para
cada tela conforme as vozes variavam. Kerry Jordan, um dos coordenadores da
pesquisa, concluiu que eles conseguiram entender a equivalência entre o número
de faces e o de vozes.
Novidades como essas vão, aos
poucos, ajudando os pedagogos e educadores a perceber que educar um bebê vai
muito além de trocar a fralda. Eles podem, e devem, ser olhados como pequenos
aprendizes. A principal diretriz que os educadores têm, até hoje, sobre as
capacidades dessa faixa etária provém da teoria dos estágios, de Jean Piaget
(1896-1980). O primeiro estágio, das crianças de 0 a 2 anos, é o
sensório-motor, fase na qual o bebê busca ter controle motor e aprende com os
objetos ao seu redor. “A grande conquista dessa fase é a da permanência do
objeto, ou a capacidade de entender que esses objetos vão continuar existindo,
mesmo que ele não esteja mais vendo”, explica a neuropsicóloga Christina
Iglésias. Embora seja obrigatório o conhecimento da teoria dos estágios nas
faculdades de pedagogia do país, Piaget sozinho já não dá conta da complexidade
do ser humano em seus primeiros meses de vida.
Uma pesquisadora que tem sido
bastante estudada recentemente é a pediatra austríaca Emmi Pikler, diretora do
Instituto Lóczy, em Budapeste, na Hungria. Seu trabalho à frente do instituto
transformou o local, de instituição para órfãos e abandonados, em centro de
formação e referência na prática da educação dos 0 aos 3 anos. Entre os
princípios da pedagogia Pickler-Lóczy estão: o valor da autonomia, através do
desenvolvimento livre da motricidade, jogo e atividade autônoma; o valor da
relação afetiva privilegiada, através dos cuidados fisiológicos; o valor da
estabilidade e continuidade dos cuidados à criança e fazer a criança consciente
de si mesma e de seu entorno, através do respeito e promoção da iniciativa da
criança em sua vida cotidiana.
Paulo Fochi lembra que o
interesse de diferentes áreas do conhecimento pelos bebês é recente. “Até dez
anos atrás, os estudos da psicologia, da saúde, e todos os outros, na maioria,
eram estudos laboratoriais, in vitro. Ou seja, colocavam-se as
crianças em verificações ‘a priori’, nunca as pesquisas se faziam a
partir delas. Na pedagogia, ainda há pouca coisa – e quando há, tem um ranço da
psicologia desenvolvimentista”, analisa o especialista, que defendeu, em 2011,
dissertação de mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
sobre o que os bebês fazem no berçário sem a intervenção adulta. “Eles
conseguem fazer muita coisa sem que alguém tenha de estimulá-los”, observa.
Currículo para bebês
© Gustavo Morita
Uma das principais
características da educação de bebês é que os educadores dessa fase precisam de
uma formação específica, o que inclui aprender com seus alunos diariamente.
Primeiro, é preciso decodificar a linguagem deles através de todas as suas
manifestações. “O bebê, que já procura o olhar da mãe ao ser amamentado, tem
sempre a necessidade de chamar a atenção do adulto, seja através do olhar, do
choro, do riso ou quando começa a engatinhar, indo em direção aos mais velhos”,
destaca Lígia Ebner Melchiori, professora doutora do Departamento de Psicologia
da Unesp e autora do livro Linguagem de bebês: manual de estimulação (Editora
Juruá). Quando estão no berçário e se reconhecem entre seus pares, ficam muito
entusiasmados e estabelecem contato. “Eles tentam interagir com gritinhos,
toques, olhares e sorrisos”, complementa Maria Carmem. “Pode-se dizer que eles
são grandes comunicadores”, define a psicóloga.
Segundo, é preciso entender que
os bebês aprendem com absolutamente tudo. Tacyana Karla é uma das autoras do
livro Os saberes e as falas de bebês e suas professoras (Editora
Autêntica), resultado de uma experiência realizada na segunda metade da década
de 2000 na rede municipal do Recife. O projeto foi realizado pela Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), onde a professora fez seu mestrado e doutorado.
Durante um ano, em encontros mensais, as professoras das creches da prefeitura
debatiam com a equipe da universidade suas práticas e o desenvolvimento das
crianças. O projeto, além de ajudar a estimular a prática das docentes da rede
pública, foi um aprendizado geral sobre quando e como os bebês aprendem. O
“currículo” do bebê, resume Tacyana, está centrado nas experiências de
aprendizagem. É nas interações com pessoas e com objetos que eles vão
assimilando o conhecimento. A professora dá um exemplo: “Quando um bebê
manipula um objeto que a professora oferece, ele descobre se ele é leve ou
pesado, percebe sua textura, a sonoridade – que pode lhe causar estranhamento
ou alegria –, aprecia suas cores e formas e, por fim, dá uma finalidade ou um
sentido de acordo com seus próprios interesses”.
Organização do espaço
Para atiçar toda a capacidade
investigativa dos pequenos cientistas é preciso que o ambiente seja rico em
informações e organizado de forma que os próprios alunos o explorem. Uma sala
limpa, iluminada, com fácil acesso aos materiais, segura, porém desafiadora, é
um convite para os bebês fazerem suas próprias descobertas. Maria Carmem
recomenda para bebês mais novos o uso de espelho, tapetes, rolinhos e almofadas
que ajudem a sustentá-los e que favoreçam seus movimentos.
Mas, embora importante, não é a
infraestrutura que faz a diferença no dia a dia de um berçário, mas a ternura,
o afeto e a criatividade das educadoras. “Não é preciso nem brinquedo caro”,
afirma a professora Lígia, da Unesp, com conhecimento de causa. Ela coordena um
trabalho nas creches da rede municipal de Bauru, interior de São Paulo, com os
alunos do último ano de psicologia da universidade. “Tampinhas coloridas, tampas
de panela e copos de plástico já são de grande valia.”
A experiência de duas professoras
da rede municipal de Recife, relatada no livro Os saberes e as falas de
bebês e suas professoras, comprova a afirmação da professora de Bauru. Elas
transformaram um berço em brinquedo ao virarem o móvel e estimularam as
crianças a explorar aquele novo objeto com escaladas e engatinhadas. No final
das contas, afirma a gaúcha Maria Carmem, os bebês não precisam de grandes
programas de estimulação. “O que eles precisam é de contextos ricos e de
pessoas que sejam encantadas com eles, querendo lhes oferecer as melhores
oportunidades.” (Colaborou Isabela Barros)
Fonte: REVISTA EDUCAÇÃO. DÉBORA RUBIN. EDIÇÃO 236. 01 FEV 17. http://www.revistaeducacao.com.br/os-novos-desafios-da-educacao-de-bebes/